Alexandre Augusto Silva Barcelos*
Anos atrás, em um evento corporativo que discutia sobre as dificuldades de se empreender no Brasil, um experiente empresário pediu a palavra e relatou o seguinte: “Tenho uma indústria de médio porte e hoje possuo mais contadores e advogados do que engenheiros no meu quadro de funcionários”.
Sou formado em Ciências Contábeis, já atuei como auditor, contador e gestor de tributos em grandes empresas e atualmente tenho o Departamento Tributário sob minha responsabilidade. Portanto, além de muita propriedade para falar sobre o quão complexo é o sistema tributário brasileiro, posso dizer que sou um dos beneficiários dessa anomalia nacional onde maior valor é gerado em teses tributárias do que na criação de novos produtos e processos produtivos.
Nesse sentido, em uma outra ocasião, durante um encontro global de gestores de impostos, apresentei sobre a importância da atuação do departamento tributário na competitividade e lucratividade dos nossos produtos, especialmente em relação ao ICMS e PIS/Cofins. Expliquei sobre como a discussão do “footprint” de produção e logística vis a vis aos benefícios tributários estaduais para fomento de investimentos é determinante para a competitividade da indústria nacional, e que negligenciar essa “jabuticaba brasileira” pode inviabilizar as operações de grandes empresas por aqui. Após a apresentação fui abordado por um colega (não brasileiro) que estava assumindo a responsabilidade de liderar a prática de impostos indiretos do grupo globalmente, que medisse o seguinte: “Estou surpreso com a sua fala. Impostos indiretos não deveriam, pela sua essência, impactar competitividade e lucratividade de um negócio. No conceito clássico de Imposto de Valor Agregado – IVA, o que se paga na etapa anterior para um fornecedor deve ser diminuído do valor tributado na venda dos nossos produtos, tendo a empresa que recolher ao fisco o valor líquido das operações. Ou seja, não faz sentido um IVA impactar a essência dos negócios, local de produção, logística, market share e rentabilidade. O IVA no Brasil não é um IVA, é outra coisa…”
Estes exemplos mostram a necessidade de fazermos uma reforma tributária ampla dos impostos indiretos no Brasil, notadamente o ICMS, PIS/Cofins, IPI e ISS. O sistema atual se esgotou tanto para o contribuinte quanto para os entes governamentais. A sua complexidade, burocracia e insegurança jurídica representam hoje o maior entrave para o empreendedorismo e competitividade das empresas brasileiras, em especial as indústrias, fato corroborado pelo longo processo de desindustrialização que o Brasil vem sofrendo nas últimas décadas. Segundo estudo da CNI, o setor industrial que representava 36% do PIB nacional em 2021 contribui apenas com 11% e é um dos principais componentes do chamado “custo Brasil”.
Temos uma oportunidade única de fazermos uma excelente reforma que enderece os seguintes princípios: I – redução do número de tributos; II – simplificação das normas e processo de apuração de impostos; III – desoneração dos investimentos e exportações; IV – crédito financeiro, ou seja,o imposto pago na etapa anterior tem direito ao respectivo crédito; V – ressarcimento imediato dos créditos não utilizados, especialmente para as empresas exportadoras; VI – transição do modelo atual para novo modelo de tributação respeitando os regimes especiais existentes (até 2032 no caso do ICMS); VI – ressarcimento dos créditos fiscais existentes no sistema atual.
Todas estas questões são contempladas na PEC-45 (discutida na Câmara dos Deputados) como na PEC-110 (do Senado), portanto os modelos em discussão, seja qual for o escolhido, estão no caminho certo.
Há de se ressaltar que a resistência de determinados setores é compreensível quando se trata de uma mudança de paradigma de tal magnitude. O sistema atual, apesar dos seus vícios, foi construído, ou melhor dizendo, desconstruído, aos longos dos anos através de inúmeras exceções e benefícios setoriais que formam a regra do jogo que todos conhecem e alguns dominam. Mudanças geram insegurança e pontos sensíveis têm de ser debatidos amplamente, como tem sido feito nos últimos anos.
Contudo, é muito relevante que as discussões sejam feitas de forma transparente, desconsiderando algumas narrativas equivocadas, e com o embasamento técnico muitas vezes incomum às comunicações de massa (o que é natural ao se tratar de tema tão técnico).
Como exemplo, um dos pontos considerados mais controversos das reformas em discussão, é em relação à tributação do setor de serviços, que em tese teria sua alíquota majorada significativamente. O que deve ser esclarecido, no entanto, é que no novo modelo as empresas aproveitariam integralmente o tributo pago, diferente do que temos hoje, quando o ISS – Imposto sobre Serviço de até 5% não gera crédito para o comprador, tornando-se um custo.
Outro grande risco da reforma é fazê-la visando maior arrecadação do Estado e o respectivo aumento de gastos públicos. Isso não é aceitável uma vez que a carga tributária brasileira representou cerca de 34% do PIB em 2021, impactando diretamente a competitividade dos produtos e serviços aqui produzidos, a atração de novos investimentos e principalmente o acesso a população mais necessitada a itens de bens e consumo. Todos têm de ser vigilantes sobre esse aspecto tão importante.
Tenho convicção que através de um diálogo aberto entre empresas, governo e Congresso conseguiremos chegar a uma reforma possível, que promoverá os investimentos e a geração de riqueza no longo prazo que o Brasil tanto precisa. Para tanto, precisamos ter coragem para mudar e aceitar que perdas e ganhos pontuais fazem parte desse processo, havendo um senso comum que o objetivo final é nos tornarmos um país onde o foco empresarial volte à produção de bons produtos e serviços e não em legislações fiscais.
*Vice-presidente Corporativo de Finanças e TI da ArcelorMittal Brasil e Vice presidente do IBEFMG (Instituto Brasileiro dos Executivos de finanças de Minas Gerais).
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