Como a área financeira pode fazer a diferença em um mercado em crise
Uma nova crise financeira está se desenhando rapidamente no horizonte. O alerta é do presidente do Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças de Minas Gerais (Ibef-MG), Júlio Damião. Nesta entrevista, ele fala sobre como as empresas podem se preparar e como a área de finanças tem um papel fundamental na estratégia dos negócios.
Para se ter uma idéia do cenário, na avaliação de Damião, a nova crise pode ser mais grave que a de 2008. “…o mundo está muito mais conectado do que em 2008, o volume de transações financeiras aumentou exponencialmente, qualquer problema em países, principalmente se for uma das cinco (maiores) economias do mundo será sentido por todos. Os EUA já estão aumentando os juros devido à alta da Inflação e recentemente a produção da China diminuiu o ritmo devido ao lockdown”.
Dessa forma, para enfrentar esse desafio, ele aponta a importância de as empresas contarem com os profissionais da área de finanças. “…mais do que nunca, serão fundamentais neste momento desafiador, sempre digo, finanças hoje é estar conectado com os sinais do mercado, com a execução correta do planejamento, com as leituras das consequências de um mundo imprevisível, turbulento, tecnológico e disruptivo”, disse.
Quais fatores levam a esta projeção de que estamos próximos de enfrentar uma crise financeira de grandes proporções?
Em finanças nada acontece por acaso, o mercado, através de sinais de políticas monetárias, taxas de juros, política de crédito, controle da inflação e consumo, mostra para os gestores da área financeira se todas as “engrenagens” estão sendo eficazes para um mercado que permita o crescimento das empresas, geração de empregos com responsabilidade das contas públicas e com uma inflação sobre controle.
Um dos maiores investidores do mundo, Ray Dalio, em seu livro “A Ordem mundial em transformação”, afirma: “Os novos tempos serão radicalmente diferentes daqueles em que vivemos, embora semelhantes em muitos outros períodos da história. Aprendi que para prever e lidar com situações que nunca enfrentamos antes, é necessário estudar o máximo possível de casos históricos”
Antes da crise de 2008 vários foram os sinais e avisos de agentes do mercado de que uma crise imobiliária estava a caminho (Nouriel Roubini foi um exemplo disso), o mercado não quis ler estes sinais. Estamos assistindo nos últimos dez dias a uma enormidade de notícias e análises de renomados financistas sobre a preocupação com uma bolha financeira e com uma grande recessão no mercado mundial, cito aqui um dado histórico e o “gatilho” na nova crise :
1 – Antes de cada bolha financeira, todos os mercados tiveram um grande aumento em seus preços de forma irracional, foi assim em 1636 (crise das tulipas), crise de 1929, 1987 (segunda-feira negra), 2000 (Crise da Internet), 2008 (crise imobiliária), 2021 tivemos recordes nas bolsas de valores em todo o mundo com preços irracionais (sem fundamentos sólidos), devido à grande liquidez de dinheiro nos mercados colocado pelos governos para combater a Covid-19. Uma parte deste dinheiro foi para investimentos e aplicação na bolsa de valores. (2022 o dinheiro acabou…)
2 – Aumento da taxa de juros do Fed (banco central dos EUA), que serão seguidos pelo BCs de outros países. Financeiramente falando, as consequências serão aumentando o custo do dinheiro (taxa de juros), diminuindo os investimentos (devido à inflação) e decréscimo PIB mundial, impactando o resultado das empresas (menos empregos), as bolsas de valores irão cair ainda mais (devido a prejuízos), teremos um problema de crédito e falta de consumo, levando a uma recessão, e como este fenômeno é mundial, uma crise financeira.
Já começamos a fazer a seguinte pergunta: “Esses preços das ações realmente refletem os fundamentos de um mercado saudável ou estamos precificando os preços dos ativos de forma irracional?” Infelizmente já sabemos a resposta, agora é uma questão de tempo.
Deve ser mais grave que a registrada em 2008?
Com certeza, o mundo está muito mais conectado do que em 2008, o volume de transações financeiras aumentou exponencialmente, qualquer problema em países, principalmente de for uma das cinco economias do mundo será sentido por todos. Os EUA já estão aumentando os juros devido à alta da inflação e recentemente a produção da China diminuiu o ritmo devido ao lockdown (Covid-19).
Os mercados também estão mais interdependentes e a globalização ficou muito centralizada em países de tecnologia. Qualquer problema de liquidez ou diminuição do PIB mundial será impactado em todos os mercados.
Especificamente para o Brasil, como você enxerga este impacto?
O Brasil tem um grande problema, as taxas de juros, estamos atrás apenas da Argentina, Rússia e Turquia, esta taxa de juros está impactando o resultado das empresas. Analisando o resultado do primeiro trimestre de 2022, algumas varejistas de peso tiveram receita operacional forte, mas tiveram prejuízo devido à alta despesa financeira.
O mercado já está sentindo fortemente: a produção de motos diminuiu 7,8% em 12 meses, a Caixa Econômica reportou prejuízos, devido à alta da inadimplência (Pronampe e FGI), expedição de papelão ondulado diminuiu 5,9% em abril, endividamento das famílias atinge 77% das famílias. Muitas empresas que conseguiram aumentar de alguma forma as receitas, perderam esta produtividade na despesa financeira (exceção para as empresas de commodities e segmentos específicos que conseguiram repassar o preço para o consumidor).
Quando isso acontece, o caixa (liquidez) diminui e não são feitos os investimentos, e o pior, para as empresas que precisam de empréstimos para sobreviver, tem que pegar a uma taxa altíssima, sobrevivência e investimentos são coisas diferentes em finanças.
Impacto: (falta de crédito e investimentos), consequência: (falta de consumo), resultado: (recessão), soma-se a isso a diminuição do PIB mundial e o aumento das taxas de juros globais, temos a receita de uma crise financeira.
Como as empresas podem se preparar?
Os profissionais de finanças, mais do que nunca, serão fundamentais neste momento desafiador, sempre digo, finanças hoje é estar conectado com os sinais do mercado, com a execução correta do planejamento, com as leituras das consequências de um mundo imprevisível, turbulento, tecnológico e disruptivo.
Aconselho fortemente que algumas empresas controlem indicadores financeiros que demonstrem a solidez da empresa:
CEO, diretores e alta gerência:
.Aumento das margens dos produtos (vender com lucro) ao invés de vender com prejuízo
Verificar o custo do dinheiro e o impacto no resultado (despesa financeira de curto e longo prazo)
.Liquidez – gestão de custos fixos e variável e investimento em projetos com certeza de retorno e payback que possam comprovar. (Caixa é rei).
.Medir NCG (Necessidade de capital de giro) e o Ciclo Financeiro
.Procurar ou desenvolver fornecedores no Brasil (logística hoje é o maior risco)
.Analisar no detalhe a Inadimplência (PDD) e o impacto desta projeção no resultado da empresa
.Importante fazer negociações com fornecedores para alongar prazos de pagamento (ajuste do fluxo de caixa)
.Seguro de Crédito (mercado interno e exportação) – cobre o risco de crédito em caso de insolvência do cliente, ou seja, garantir o recebimento no prazo acordado (liquidez e previsibilidade de fluxo de caixa), fundamental nas crises.
Conselho de empresas:
.Verificar EVA (Valor Econômico Adicionado), cuidado com as contas “não recorrentes” (podem “mascarar” o resultado) e VEA (Valor Econômico Agregado – calcula o valor adicionado aos acionistas, após o lucro líquido e o custo de Capital) mostra o resultado sem tirar os “não recorrentes”, ou seja, o real resultado das empresas.
.Medir investimentos que devem ser feitos, priorizando os retornos de curto prazo, porém estando em linha com o planejamento de longo prazo (as melhores oportunidades estão nas crises)
.Gestão da Proteção do Dólar (Hedge) – muitas empresas reportaram prejuízos de variação cambial, este também é um item que pode impactar o resultado (principalmente pela desvalorização da moeda real/dólar no Brasil)
Em períodos de crises, o stress aumenta muito, pois ainda não temos uma real dimensão dos impactos financeiros nos negócios. Comunicar corretamente os números e a ações, entender da estratégia do negócio, ter análise crítica, saber resolver problemas complexos e principalmente ter calma para não se contaminar com informações “incorretas” ou de “momento” são fundamentais.
O que a crise de 2008 nos ensinou e que pode ser aplicado agora?
Em termos de negócios, as empresas devem cuidar do caixa/liquidez. Em 2008 o dinheiro “sumiu” do mercado, empresas quebraram ou aproveitaram oportunidades devido à robustez do caixa. Com relação a governos, é cuidar das contas públicas, em 2008 foi necessário uma “injeção” enorme de dinheiro no mercado, recentemente isto já foi feito devido ao Covid-19, tenho minhas dúvidas se teremos os mesmos recursos se tivermos uma nova crise. Desde 2008 tivemos chances de fazer várias regulamentações de controle no mercado, não foi feito, sofremos com a última crise, mas não transformamos em ações efetivas para evitar uma nova.
Esta crise deve estourar ainda em 2022?
Temos os mesmos sinais da crise de 2008, estamos com o excesso de liquidez do mercado e com a política de aumentos de juros dos bancos centrais ao redor do mundo, teremos um futuro com maior volatilidade e risco, o que vai definir a magnitude do impacto da crise será a solidez das empresas, e pelos resultados apresentados (Brasil e mundo), vai “doer” muito.
Antes do tsunami, o mar recua, pois bem, o mar já recuou, só não sabemos quando a onda vai chegar, mas já começou a se formar no horizonte.
(Entrevista produzida pelo Ibef-MG)
Como a área financeira pode fazer a diferença em um mercado em crise