Volatilidade desafia o mercado em 2022
POR BIANCA ALVES – DC
EM 8 DE ABRIL DE 2022 ÀS 00:28
Executivo da Mapfre Investimentos, Carlos Eduardo Eichhorn foi um dos convidados do evento.
A volatilidade no mercado pode ser comparada à famosa frase de Magalhães Pinto, comparando a política a uma nuvem: você olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou. Da mesma maneira que o cenário eleitoral, o mercado financeiro se vê diante de certas circunstâncias que podem provocar altas e baixas dos investimentos, mesmo aqueles que pareciam mais firmes e seguros. E elas nunca foram tantas como no momento atual.
O 1º trimestre de 2022 foi marcado por forte volatilidade, com tendência de aumento ao longo do ano, sobretudo no 2º semestre, quando tanto o Brasil quanto os EUA viverão eleições cruciais. Somam-se a estas potenciais razões para a inconstância da economia mundial e local, a política monetária norte-americana, os desdobramentos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia e o aumento global da inflação.
E foi para discutir “Investimentos em um cenário de volatilidade global” que o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-MG) promoveu mais uma webinar na quarta-feira (6), com o apoio do DIÁRIO DO COMÉRCIO. Dessa vez, os convidados foram o diretor de Investimentos da Mapfre Investimentos, Carlos Eduardo Eichhorn, e o analista Luis Afonso Lima, também da Mapfre. Como de praxe, o debate, que reuniu executivos e profissionais de finanças, teve a mediação do presidente do Ibef-MG, Julio Damião.
Damião salientou que, neste cenário de incertezas, é necessário entender todas as variáveis que estão compondo o mercado nacional e internacional. “O mundo está cada vez mais volátil, ainda não temos uma definição clara de para onde vai o dólar, a bolsa, enfim, de como será o cenário econômico daqui a seis meses, o que gera uma incerteza muito grande”, afirmou. “É neste contexto que o Ibef-MG mais uma vez cumpre o seu papel de trazer informações relevantes para a tomada de decisão nas empresas que precisam equilibrar os investimentos e aumentar a vantagem competitiva”, destacou o presidente do instituto.
Momento desafia até os mais experientes
Com 25 anos de mercado, Luis Afonso Lima disse que nunca viu um momento tão complexo, com fatos novos que desafiam até os mais experientes. Entre eles, a queda brusca do crescimento global provocada pela pandemia e seguida por uma recuperação acelerada, com características muito específicas. “O crescimento é desigual e pressionado por aumento de custos e gargalos nas cadeias de suprimentos. O resultado é o aumento da inflação, hoje mais da metade dos países desenvolvidos enfrentam índices de inflação acima de 5%”, informou Lima, economista que é responsável pela área de Análise da Mapfre.
Os riscos deste cenário são vários, a começar pela duplicação da dívida pública dos países, resultante dos gastos com a pandemia. O aumento dos juros para enfrentar a inflação traz mais endividamento e será um teste para a economia dos países emergentes. Lima também localiza neste cenário uma evolução drástica dos preços dos imóveis, favorecida pelos juros baixos dos últimos anos e o endividamento do setor privado, mais visível na China, que tem 217% de seu PIB em crédito ao setor não financeiro. A média global é de 168%, o que traz um risco grande de inadimplência.
“Por incrível que pareça, esse panorama traz alguns benefícios para o Brasil”, ressaltou o analista. É o caso do aumento das exportações, que não se restringiram aos itens básicos, e aumentaram também para produtos manufaturados e semimanufaturados. “Entraram R$ 300 bilhões no País nos últimos 12 meses”, disse Lima. Ele também destacou benefícios fiscais como o aumento da arrecadação e a redução das despesas com a Covid, se refletindo em resultados melhores para a dívida bruta do setor público.
No entanto, os desafios são maiores que as vantagens e exemplo disso é a pressão de custos, que está chegando ao setor de serviços. “Os motores da inflação global vão perdurar por médio e longo prazos. Os juros mais altos se refletem na atividade econômica, há dificuldade de importação de componentes, desemprego alto, queda de renda real e de confiança do consumidor, ou seja, as perspectivas não são as melhores”, citou o analista.
Para Lima, a recuperação da economia brasileira precisaria de um crescimento de 3% do PIB nos próximos dez anos e uma taxa de investimento de 22%. “Ela não chega a 20%, ou seja, não é suficiente”, acentuou. Neste cenário, as oportunidades de investimento estão no setor de serviços, onde há demanda reprimida, nas commodities agrícolas e minerais não metálicas, concluiu.
Choque de demanda
Carlos Eduardo Eichhonr, por sua vez, reforçou alguns componentes desse cenário de volatilidade. Começando pela paralisação da economia mundial, provocada pela pandemia, e suas consequências: expansão monetária dos governos, redução da taxa de juros, disfunção das cadeias de fornecimento.
A retomada econômica, por sua vez, trouxe um choque de demanda, que prolonga a disfunção das cadeias globais e tem, segundo Eichhonr, um retrato preciso no número de navios esperando no porto de Xangai, que é maior em 2022 do que nos anos anteriores. Um segundo tema tratado pelo diretor de investimentos da Mapfre é o combate à inflação, gerada pela expansão fiscal.
“O Brasil já fez este ajuste, aumentando os juros. O Fed começa agora”, disse o executivo, o que pode trazer uma série de consequências como reprecificação da curva de juros ‘livres de risco”, aumento do custo de rolagem das dívidas de empresas e países, remarcação das carteiras de investimentos tomadas em taxas pré-fixadas e a própria reprecificação da valuation das empresas em mercados desenvolvidos.
Neste momento, o Brasil está sendo procurado por investidores devido às altas taxas de juros. O movimento de entrada de dólares, colocados em reais na bolsa brasileira, é forte – foram R$ 70 bilhões de entrada em renda variável. O que fez a cotação da moeda americana cair por aqui. Em janeiro, ninguém poderia imaginar que o dólar estaria em R$ 4,74 – preço desta quinta-feira (7) – mas, do mesmo jeito que caiu, pode subir, quando os juros aumentarem nos EUA. Um detalhe: as taxas americanas atuais são as mais altas dos últimos 40 anos.
Cenário pode causar uma “Desglobalização”
Finalmente, para Eichhonr, a guerra da Ucrânia traz um componente que reforça a volatilidade do mercado. “As sanções não recaem apenas sobre a Rússia. Além dos prejuízos à cadeia global de suprimentos, quais outros países se encontram na mesma situação e poderiam ser sancionados? A China poderia ser sancionada? São questões que podem mexer bastante com os mercados daqui pra frente”, apontou.
Este é um cenário que favorece a “desglobalização” econômica. O mundo continua globalizado, tudo impacta tudo, mas com uma tendência de descentralização, de uniões bilaterais para evitar a dependência de quatro ou cinco polos tecnológicos mundiais. Empresas e países podem procurar parceiros comerciais mais próximos e diversificados. Ou podem oferecer incentivos para que as fábricas passem a produzir no próprio país.
“Talvez surjam oportunidades para o Brasil se abrir economicamente para novos parceiros, expandir laços comerciais e realizar seu imenso potencial. A gente está devendo crescimento à população há décadas”, disse o executivo.
Também volatizam o mercado questões socioeconômicas, já que a sociedade procura soluções que levam a guinadas políticas. “Há um desafio fiscal contratado para o próximo presidente. Haverá mudanças na política monetária? As reformas vão continuar?”, perguntou Eichhonr. O contexto amplia a importância da agenda ESG, afinal o combustível alto viabiliza energia renovável. “E o Brasil, terá engajamento climático? Vai voltar a ser um exemplo para o mundo”?
Neste contexto e seus desdobramentos, os produtos financeiros sugeridos pela Mapfre têm como fundamento básico a cautela. Entre eles, os fundos de títulos do Tesouro Direto, atrelados à inflação, debêntures de empresas qualificadas e fundos de renda fixa. Para preservar o caixa das variações cambiais, o remédio é “travar o dólar”, uma maneira de garantir a previsibilidade do fluxo de caixa da empresa.
“O mais importante é que o profissional de finanças tem que aprender a interpretar o cenário econômico mundial e local, para que ele possa preservar os recursos da empresa e permitir que ela continue investindo para crescer”, concluiu Júlio Damião, presidente do Ibef.
REPORTAGEM DO DIARIO DO COMERCIO